O MEU CONTRIBUTO NA FUNDAÇÃO DO BOTAFOGO DA ILHA DO FOGO

Decorria o ano de 1971 do século passado, quando um grupo de rapazes, na faixa etária dos 13 a 14 anos, resolveu criar uma equipa de futebol, de nome Farense, liderado por Eduardo Jorge Correia, mais conhecido por BAIANA. Desta equipa faziam parte: eu (Cau di Keta), Cau de Titia, Laco de Senhor Santos, Pindoco, Rarrau de Djedji, Julio Palili, Toti Nita, Pitchi, Totinho,Carlos Maria Dje, Antonio Cutcho, Nana e outros miúdos desta época, cujos nomes não me lembro neste momento.
Depois de termos feitos alguns jogos contra outras equipas improvisadas, resolvemos fazer uma subscrição, a fim de comprarmos o nosso próprio equipamento. A referida subscrição foi batida à máquina por mim, na correspondência do Banco Nacional Ultramarino, onde eu era aprendiz. Nesta altura, o meu amigo Arnaldo Silva também era aprendiz na Fazenda. Depois de conseguirmos uma receita à volta de 300$00, através da subscrição, fui ter com o Sr. João Sacramento Monteiro, que trabalhava na correspondência do Banco Nacional Ultramarino, para trocarmos o dinheiro arrecadado, com notas do Banco de Portugal, porque o dinheiro de Cabo Verde não tinha valor comercial fora do Arquipélago.
Já com as notas do Banco de Portugal, mandamos buscar 15 camisolas de cor branca à casa MARILU, em Portugal. A encomenda demorou aproximadamente um mês e tal para chegar ao nosso poder. Com o dinheiro da segunda subscrição, compramos tecido de cor preta na casa DADE, sendo que a minha mãe fez-nos os calcões. Já com o equipamento no nosso poder, a convite do Samuel Carro Pedra e outros rapazes, deslocamo-nos a Curral Grande, na Jovita do Amancinho, para um encontro de futebol, onde a nossa equipa, “FARENSE”, venceu a equipa local por uma bola a zero. No regresso à cidade, houve gritos durante todo o percurso, FARENSE, FARENSE, FARENSE. Neste dia, o Noel de Nha Audilia e André de XIXINO proporcionaram-nos um grande show de bicicleta, desde Curral Grande até a cidade de São Filipe. Após duas semanas, a equipa de Curral Grande, liderado por Samuel Carro Pedra, retribuiu a visita, sendo que o Farense saiu vencedor outra vez, mas agora com uma goleada de 4 bolas a zero.
Mas porquê o nome de Farense, se a maioria dos rapazes desta época eram adeptos do Sporting e Benfica? Bem, o Baiana era um admirador de um ponta de lança do Farense, MIROBALDO, e também do guarda-redes, Benje, só depois é que passou a ser fã do Bulota do União do Tomar. Por isso, ele escolheu o nome de Farense para a equipa. Passado alguns meses, depois do jogo com Curral Grande, o FARENSE perdeu o seu jogador Ricardo Teixeira Nobre Santos, “LACO”, devido à transferência do pai para a cidade da Praia. Preparamos para o LACO um jogo de despedida no Campinho. Depois, houve um jantar na casa do administrador, pai dele. Nesta noite, o PITCHI foi parar ao hospital devido a uma queda depois da festa.
Depois da ida do LACO para Praia, chegou um determinado momento em que começamos a sentir um vazio, pois não havia outra equipa organizada para defrontar. Com isso, alguns rapazes do Farense e outros que frequentavam o ciclo preparatório na altura resolveram criar uma outra equipa, de nome Beira-Mar, já com rapazes mais robustos fisicamente. Entre estes rapazes estava o Djedje de Ana, Alcides Veiga, David, Nina, Chico Caidor, Daniel de João de Muna, Cau Serra,Tchotcho,Lourencinho di Artur, Hominho de Prisca e outros que já não me lembro neste momento. Tudo isto acontecia durante o período escolar, por isso os que estavam a estudar fora do Fogo não tiveram muito contacto connosco, a não ser nas férias grandes. A maioria dos rapazes destas duas equipas frequentava o quintal de Nho António Rosário, onde havia jogos de balizinha, cartas, hóquei em patins à nossa maneira, imitando os nossos ídolos desta época, Nogue, Villa Longa, Júlio Rendeiro e Livramento.
Voltando ao Farense e Beira-Mar, depois de jogos renhidos entre as duas equipas, resolvemos combinar com o nosso colega, Alcides Veiga uma deslocação a Cova Figueira nas férias grandes, em 1973, com uma seleção formada por jogadores do Farense e Beira-Mar. Sendo o Alcides Veiga, natural de Cova Figueira, ele foi de férias e organizou a equipa local e, passado duas semanas, entrou em contacto comigo, Baiana e Daniel de João de Muna, através do telefone dos CTT em São Filipe, onde ficou combinado o dia de jogo. Cau de Titia e Djedje de Ana estavam ao par do assunto, porque quase tudo acerca do nosso futebol era discutido na casa do André de Olegário, que era frequentado por muitos rapazes de São Filipe.
Passado alguns dias, deslocamo-nos a Cova Figueira, no Bedford de Miguel Monteiro, mais conhecido por Josino Ferreiro, cujo frete, se não estou em erro, terá custado 80$00. Nesta deslocação, houve alguns integrantes que tinham na altura 12-13 anos de idade, mas a maioria do pessoal já estava na casa dos 15, 16, 17 anos. Filipe Cando, mais conhecido por Fura Bola, um veterano, nesta altura a rondar a casa dos trinta, reforçou-nos neste embate contra a equipa organizada pelo Alcides Veiga. O equipamento usado foi do clube Juventude, uma versão do Sporting Clube de Portugal, emprestado pelo Sr. Augusto Bino. Entre os acompanhantes da equipa estava o Anatólio Fonseca ”TOLY”. Neste jogo, um miúdo, de nome Di Stefano, jogou na equipa de Cova Figueira, o qual, anos mais tarde, passou a ser o melhor ponta de lança no campeonato da LASA, nos Estados Unidos da América. O jogo com a malta de Cova Figueira foi bom, porque antes da vinda de Alcides para São Filipe, não havia intercâmbio assíduo entre equipas de Cova Figueira e São Filipe, devido à rivalidade da época.
Com o regresso dos alunos que estudavam na Praia e São Vicente, reforçamos a seleção entre Farense e Beira-Mar para o próximo jogo que foi realizado em São Lourenço. Depois do jogo realizado em São Lourenço, o Sr. Zuca, que era dirigente da Académica do Fogo na altura, começou a interessar-se por nós. Entre os alunos que estudavam na Praia e São Vicente, estava o Zé, filho do senhor Zuca, que passou a fazer parte da nossa equipa. O Zé, como seguidor ferrenho do futebol brasileiro na altura, sugeriu que a seleção formada por jogadores do Beira-Mar e Farense se chamasse Botafogo. No primeiro jogo realizado em São Filipe (foi na semana que morreu a mãe do Palapa), no atual Estádio 5 de Júlho, já com o nome de Botafogo, jogamos contra a equipa de São Lourenço, sendo que fui o autor do primeiro golo. A partir desta data, tudo mudou no futebol do Fogo, pois o Sr. Zuca ficou à frente da equipa como presidente, treinador, massagista, enfim, tudo que era preciso. Os rapazes do Botafogo eram, na sua maioria, rapazes amigos, que frequentavam a porta do Bar Dade, por isso, outros amigos, caso de Palapa que jogava na Académica e Tchulelo Juventude, passaram para o nosso lado. O Botafogo teve como o seu primeiro capitão o Djedje de Ana Luísa. Djedje, Cau de Titia e Zé eram os melhores jogadores do Bota na altura da sua fundação. O primeiro troféu ganho pelo Botafogo foi a Taça Administrador Napoleão Teixeira de Azevedo, contra Academica. A sua primeira deslocação fora do Fogo foi à ilha Brava, no mês de junho de 1974.
Porquê o nome do Botafogo, porque é que foi aceite a sugestão do Zé? No Fogo, em São Filipe, o pessoal seguia o futebol brasileiro, principalmente o futebol carioca, onde o Fluminense, Flamengo, Botafogo e Vasco davam cartas a jogar bom futebol, todas as quartas-feiras e domingos. Nesta altura, o grande Jairzinho, da seleção do Brasil, era um ídolo do Botafogo do Brasil, juntamente do Fisher, um centro campista argentino. O Hominho de Prisca era conhecido nesta altura por Jair, em homenagem ao grande Jair do Botafogo do Brasil. Toda esta influência do futebol Brasileiro ficou mais forte, depois de Portugal ter jogado a Mini-Copa, no Brasil, em 1972, e ter conquistado o segundo lugar na final contra o Brasil. Brasil 1 Portugal 0. O golo do Brasil foi marcado por Jair do Botafogo. Além de tudo, os locutores brasileiros,Joao Saldanha, Jorge Cury e Valdir Amaral, deixavam-nos em delírio com os termos: banheira, com água e sabão, soprador de apito, falou e tá falado, Brahma Chopp, alegria na jogada, entre outros termos que os locutores portugueses não conseguiam meter durante os relatos.
Portanto, este nome tem tudo a ver com o Botafogo do Brasil e nada a ver com nossa ilha do Fogo. O equipamento é o mesmo do Botafogo do Rio de Janeiro, Brasil. A história do Botafogo é esta, sendo que muitas são histórias para fazer o boi dormir. Em 1974, sai do Botafogo, mudando-me para Os Vulcânicos. Em marco de 1975, antes da independência de Cabo Verde, fui para Cuba juntamente com os meus amigos fundadores do Botafogo, Baiana e Djedje de Ana Luísa. Em 1978, regressei à ilha do Fogo, onde fui um dos dirigentes mais influentes do clube. Implementei uma disciplina como a usada na academia que frequentei em Cuba. Com tudo isto, o Botafogo abriu a sua sede na casa-loja do Nho António Rosário, graças às minhas diligências e do Zé do Sr. Zuca. Durante este período de disciplina férrea, dois jogadores de renome abandonaram o clube, porque não estavam de acordo com linha traçada pela direcção, principalmente minha e do Zé. Um ano depois, regressaram ao clube, contra a vontade do Zé. Eu apoiei o regresso, mas o Zé foi contra.
1980- Botafogo Sagra-se Campeao de Cabo Verde.
Caso curioso, o Zé, enquanto estudava nos Estados Unidos, participava em muitas decisões do clube através de cartas que me escrevia todos os meses. Nesta altura, o Papa de Saccorro era o fã número um da disciplina implementada no clube. Alexandrino Correia ”NELO”, nosso capitão, o nosso melhor jogador, meu primo, meu amigo de peito, era pessoa com quem mais pegava, principalmente nos dias de bailes no clube. Ele não podia entrar sem pagar a cota de entrada. Outros tempos, o melhor jogador do Fogo, o melhor do Botafogo tinha de pagar a entrada nos bailes do clube.

Carlos Pires “Cau di Keta”
Carlos Borromeu Rodrigues Pires
USA